segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O Lado Obscuro

por Phillip Starr

Para muitos entusiastas das artes marciais, o principal objetivo do treinamento é tornar-se mais forte, mais rápido, e dominar técnicas de luta e táticas de maneira a derrotar qualquer agressor que ouse atacá-lo. As técnicas básicas são ensaiadas vez após vez enquanto os músculos gritam por socorro e a respiração se torna ofegante. As formas são praticadas vez após vez, e depois estudadas e analisadas até ao ínfimo pormenor até que o seu verdadeiro significado seja entendido. Os estudantes deixam seu sangue nos postes de golpeio e seu suor no chão da sala de treinamento. Mas, por debaixo de tudo isso existe algo mais, algo pessoal, insidioso e obscuro.

Todos nós enfrentámos tempos difíceis e momentos em que fomos “testados” enquanto caminhávamos pelo trilho marcial. Essas dificuldades surgiram em todos os formatos e tamanhos, desde lesões mais ou menos graves, doenças, atrasos, perda de interesse, problemas com relações… e simplesmente não existe uma maneira de intelectualizar ou comprar uma solução para isso. Muitas vezes temos que trabalhar e até lutar com as dificuldades em nosso caminho e outras vezes nos resta apenas ranger os dentes e esperar que passem. Algumas vezes, simplesmente permanecer no caminho é tudo o que pudemos fazer. O legendário fundador do aikido, Morihei Uyeshiba expôs o problema sucintamente:

“ Em situações extremas parece que o universo inteiro se tornou nosso inimigo.
   Em tempos tão críticos a unidade de corpo e mente é essencial.
   Não deixe o seu coração vacilar.
   Corajosamente enfrente seja o que fôr que Deus tem para lhe dar.
   Você deve estar preparado para receber 99% do ataque do inimigo e olhar para a morte de   
   frente de forma a iluminar o caminho.
   Transcenda o domínio da vida e da morte e você estará preparado para seguir seu caminho 
   pela vida com calma e segurança através de qualquer crise com que seja confrontado.”



Na prática das artes marciais teremos de nos confrontar eventualmente com nossa “sombra”. Todos nós temos medos, desde um simples medo do escuro até medo de dores, ruína financeira, solidão e doença. Apesar desses medos parecerem surgir de fora de nós, penso serem frequentemente o resultado de um processo interno. Esse pode ser um processo do qual não estamos conscientes, um processo que decorre por detrás de nossa personalidade na superfície. No treinamento nos esforçamos por ter um bom desempenho, mesmo sob pressão. Não costuma demorar muito para que problemas recalcados venham à superfície: más atitudes, inveja, auto-piedade, crítica (a si mesmo e a outros), inseguranças, raiva, despontam à superfície como bolhas e são presenciados por todos. Você não os pode esconder apesar de tentar fazê-lo e então torna-se óbvio que está tentando esconder essas coisas!
O que é um fato é que temos vivido com essas “sombras” por tanto tempo, que acabámos desenvolvendo formas pessoais de lidar com elas. Elas se tornaram parte de nós, hábitos se assim desejarem, e nós nos acostumamos tanto a carregá-las connosco que nem sequer nos apercebemos de sua existência até nos envolvermos no treinamento das artes marciais, o que na verdade é bastante diferente de outras atividades físicas, pois estamos lidando com a forma mais básica das relações humanas… um soco na boca. Temos de aprender a responder de maneira apropriada a um ataque, enquanto simultaneamente temos de estar “com nós mesmos” sob níveis de pressão física e emocional que aumentam gradualmente.

Cedo teremos de encarar as maneiras como geralmente enfrentamos essas e outras formas de estresse; como criamos uma armadura contra elas, como nos retiramos (para nosso interior) ou atacamos de forma agressiva, e aquilo que vemos não é agradável. Ficamos expostos não apenas a nós mesmos mas também a nossos companheiros de treinamento. A forma como nos defendemos sob grande pressão (como quando um parceiro de treinamento tenta nos dar um soco na cara) nos mostra como trabalhamos para sobreviver na vida diária.

Como disse Wilhelm Reich, seu corpo se comporta como uma “prisão” que o “segura” (ou aquilo que você percebe como “você”) em seu lugar. Apesar de você conseguir ver uma porta aberta à sua frente, você fica encarcerado em sua “prisão” por suas crenças limitadoras, atitudes e assim por diante.

Um instrutor competente e atencioso vai enxergar imediatamente naquilo que você está enxergando mas não vai poder lhe dar de presente uma “cura” intantânea. Tudo o que poderá fazer será encorajá-lo e guiá-lo e você deverá escutá-lo. Ele já esteve onde você está agora. A arte marcial de sua escolha pode ser usada como ferramenta para explorar essas coisas que você considera indesejáveis em você: seus medos, aquilo que o ameaça, sentimentos de inadequação e inferioridade e por aí em diante. É nesse momento, quando reconhecemos diferentes aspectos de nosso “lado obscuro” que devemos levar o conselho do mestre Uyeshiba a peito.

Você enfrenta seu adversário (seu parceiro de treinamento) e ele se transforma em você. Você projeta seus medos, suas fraquezas e até seus pontos fortes nele e os confronta enquanto pratica o combate, e enquanto se esforça por “não perder”, não é realmente o seu adversário que você está tentando derrotar. É seu “lado sombra”. É por isso que praticar o combate é tão importante, porque no combate de verdade se passa o mesmo. O seu adversário é um espelho, quer se trate de um parceiro de treinamento ou de um assaltante de verdade.

Eu acredito que a disposição para enfrentar o nosso “lado obscuro” e o empenho em compreender e eventualmente superar nossas fraquezas, medos e as muitas coisas acerca de nós mesmos que preferíamos manter escondidas, é aquilo que faz um verdadeiro guerreiro. Você deve começar por ser suficientemente corajoso para admitir a verdade daquilo que você vê em si mesmo. Depois, tem de ser forte o suficiente para resolver essas facetas de si mesmo que considera indesejáveis. Isso pode ser conseguido através do treinamento correto das artes marciais, mas não é fácil, e muitos estudantes desistirão de seu treinamento de maneira a evitarem terem de se encarar, apesar de muitos, talvez a grande maioria, não esteja consciente de que esse é o motivo de sua desistência.




Recordemos as palavras de mestre Uyeshiba acima escritas:

“ Em situações extremas parece que o universo inteiro se tornou nosso inimigo.”
(Alguma vez se sentiu como se o mundo inteiro, talvez o universo inteiro, estivesse contra você?)

“Em tempos tão críticos a unidade de corpo e mente é essencial.”
Reconheça primeiramente a situação e os sentimentos que desperta. Depois, concentre-se e pratique a respiração reversa. Unifique seu corpo e mente!)

“Não deixe o seu coração vacilar.”
(Não se entregue ao medo. Nem sequer considere a possibilidade de desistir ou falhar. Nunca. Essas não são opções.)

“Corajosamente enfrente seja o que fôr que Deus tem para lhe dar.”
(Enfrente seus problemas de uma forma direta e lembre-se que cada problema que você enfrenta tem uma dádiva escondida para lhe oferecer.)

“Você deve estar preparado para receber 99% do ataque do inimigo e olhar para a morte de    frente de forma a iluminar o caminho.”
(Como diz uma velha máxima japonesa: “Só vivemos duas vezes. Uma quando nascemos e  a outra quando olhamos a morte na cara.”)

“Transcenda o domínio da vida e da morte e você estará preparado para seguir seu caminho 
pela vida com calma e segurança através de qualquer crise com que seja confrontado.”


(Quando tiver conquistado seu medo em relação à morte, você poderá seguir seu caminho calmamente através de qualquer crise que surja.)

(artigo traduzido  e publicado com autorização do autor)

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Feios Lavradores & Bonitos Lutadores



Um poema por Neil Ripski


“ O feio lavrador capina o seu campo, dobrando e arrancando raízes.

Ele racha e empilha lenha para o inverno e recolhe pedras do seu campo.

Ele trabalha enquanto o sol brilha e dorme de noite após tomar vinho,

Pois sua vida depende disso.

Os assim chamados guerreiros viajam e espreitam, lamentando a vida do lavrador.

Achando-se importantes exibem suas técnicas,

Exigindo moedas e louvor do povo.

O lavrador traz sua colheita para a aldeia e sustenta o povo,

Suas vidas em suas mãos. “


sábado, 18 de junho de 2016

O treino da Palma de Ferro: o que é e porque praticar? por Chris Lomas





Minha primeira experiência com a Palma de Ferro (Mão de Ferro) foi na Chinatown de Manchester há uns vinte anos atrás. Eu estava estudando lá em uma das escolas. Com alguma frequência, um certo número de caras do kung fu mais velhos apareciam para visitar o professor, que também já não era um jovem. Um deles era um cavalheiro idoso, muito pequeno. Foi-me dito pelo meu irmão kung fu sénior que ele tinha partido com frequência canelas a lutadores com sua palma de ferro. Eu tinha praticado Caratê e um pouco de Boxe Tailandês antes, e esse cara não parecia um lutador. Pensei ter escondido bem meu cepticismo, mas eu era um adolescente e provavelmente não o fiz.

Isso resultou em me terem pedido para disferir um chute circular à figura de avô em questão. Após algumas recusas delicadas e alguns incrementados pedidos diretos eu o fiz. Honestamente, não foi o chute mais forte que alguma vez disferi. Eu me segurei um pouco, mas também não foi um chute fraco. O cavalheiro idoso (nunca peguei seu nome) com um sorriso relaxado deu gentilmente um tapa para baixo, em minha canela, e eu me senti como se tivesse dado um chute na aresta de uma parede de tijolo.
Quando trouxe a perna para baixo ela por pouco não colapsou e eu fiquei com um profundo hematoma negro durante algumas semanas. Não voltei a ver aquele senhor, mas não tenho dúvidas que se ele estivesse com uma disposição malévola teria feito muito pior. Essa foi a minha primeira introdução à Palma de Ferro ou Mão de Ferro.

Desde então, treinei com um professor que conseguia indiferentemente perfurar tijolos com um dedo enquanto vigiava a classe (Sifu Mcneil) e outro que conseguia deixar marcas em metal com seus socos (Sifu Starr).

Tradicionalmente, a maioria dos estilos de Kung fu contêm alguma forma de prática da Palma de Ferro. A expressão Palma de Ferro não se refere de fato a algum método de fortalecimento da mão mas ao resultado de um treinamento correto. Tradicionalmente cada seita (Pai) teria seu método. Por vezes as expressões Palma de Ferro e Dedo de Ferro são referidas conforme as práticas enfatizem esse aspecto.

Também é denominada Palma de Areia vermelha ou outra expressão semelhante devido ao método de treinamento. É difícil fazer declarações abrangentes em relação à Palma de Ferro e sua eficácia pois diferentes métodos de treinamento trazem resultados diferentes. Conheci incontáveis indivíduos que me disseram que tinham danificado suas mãos praticando Palma de Ferro e no entanto, quando os questionei sobre isso, me disseram que apenas golpeavam um objeto sólido muitas vezes. Não são a turma mais inteligente. Isso não é certamente a Palma de Ferro. Isso é o equivalente a alguém dizer que fez acupunctura e que isso o tornou cego para depois se descobrir que a acupunctura foi administrada pelo próprio que espetou uma agulha em seu próprio olho.

As práticas da Palma de Ferro têm como objetivo aumentar a densidade dos ossos. Isso não faz apenas as mãos ficarem menos vulneráveis a se danificarem como também mais pesadas e mais capazes de causar dano (pensem em serem atingidos por um objeto de metal em vez de um objeto semelhante de madeira). Ao mesmo tempo esses métodos desenvolvem os tecidos e os músculos da mão tornando-os mais fortes e protegendo os tendões e as veias.






O que você pode ganhar treinando a Palma de Ferro?
Contudo, a Palma de Ferro não é apenas o fortalecimento das mãos. Quando praticada corretamente nos ensina a golpear com o corpo inteiro (não apenas o braço). O corpo torna-se igual a um chicote maciço gerando uma onda de força. Os músculos da mão são treinados para instintivamente se flexionarem abrindo ou fechando (de acordo com a postura da mão) para maximizar a força quando golpeando. Esses métodos devem também aumentar a circulação sanguínea (e, da perspectiva da medicina tradicional chinesa, o fluxo de qi) para a mão. Isso é uma grande ajuda para os praticantes de qigong que, geralmente consideram que a prática aumenta as sensações subjetivas de energia na mão. Também é útil para aqueles que usam as mãos para curar e massagear.

De fato, um dos aspectos interessantes do treinamento da Palma de Ferro é que, quando feito corretamante não “mortifica” os nervos da mão mas parece que em vez disso lhe dá mais sensibilidade (talvez devido ao aumento da circulação sanguínea). É uma concepção comum e errada, que o objetivo é essencialmente danificar os nervos da mão para poder “suportar” mais dor. Isso é completamente falso: perder toda a sensibilidade nas mãos seria uma grande desvantagem numa luta, assim como na vida.

Quase toda a Palma de Ferro, lado a lado com o golpear do equipamento, contém elementos da medicina herbácea (dit da jow – vinho de bater, golpear), mecânica corporal precisa, qigong, exercícios respiratórios próprios e dicas de estilo de vida.


Os métodos autênticos da Palma de Ferro foram desenvolvidos ao longo de muitos anos envolvendo muito tempo, tentativa e erro, sensitividade corporal e contemplação. Em comum com as metas de todo o Kung Fu de qualidade a Palma de Ferro tem por meta a construção do corpo e não a sua destruição. Trata-se de um processo gradual. Pessoas acostumadas a se exercitarem diariamente e a se esforçarem até ao limite tendem a trazer essa atitude para o treinamento da Palma de Ferro. Deve ser lembrado que treinar os músculos até ao limite significa ficar um pouco dorido no dia seguinte e que depois eles vão ficar mais fortes, levar os ossos ao limite é fazer deles pó! Desenvolver as mãos sem as machucar ou criar calos é um processo lento. Na maioria dos sistemas para se atingirem as metas iniciais se supõe uma prática diária por 100 dias, após isso as mãos devem estar significativamente mais fortes mas o desenvolvimento da Palma de Ferro deve na realidade fazer parte do treinamento regular e não existe um ponto de paragem. Tal como um espadachim mantém sua espada afiada a “força” da mão dever ser mantida.

Nos dias de hoje a Palma de Ferro é com frequência tida como um aspecto avançado das práticas marciais chinesas, guardada para os estudantes seniores, mas na verdade era mais uma aptidão básica. É usualmente aprendida no primeiro ano de treinamento de adultos em minha escola. Uma das razões de tão poucos “tradicionalistas” poderem utilizar as técnicas de suas formas é porque muitas posições da mão requerem condicionamento para serem utilizadas, e esta habilidade não pode ser adquirida com a prática das formas. Mesmo uma das mais seguras posições de mão, o punho básico, é muito vulnerável ao dano quando atinge outra pessoa com força. Na verdade, muitos dos mais devastadores golpes do boxe foram desenvolvidos depois de já existirem luvas, pois teria sido muito provável os pugilistas se machucarem em lutas com os punhos desprotegidos. Essa evolução prosseguiu para o MMA, quando as luvas foram introduzidas os competidores se tornaram capazes de disferir golpes com mais força do que antes. Numa luta ou competição uma mão quebrada é uma grande desvantagem.

Assim, quando estamos aprendendo uma forma que utiliza poderosos golpes de mão, alguns estão na verdade indo para uma luta de faca armados com um palito. Isso é bom contra oponentes imaginários no ar, mas menos bom quando realmente precisamos nos defender. Se até o punho básico é suscetível de ser machucado, como é que os praticantes das Artes Marciais Chinesas e do Caratê esperam poder utilizar posturas de mão exóticas _ por exemplo aquelas com a pressão concentrada em uma  pequena área da mão (Punho de Fénix, golpes com os dedos, golpe Cabeça de Dragão)? Esses foram criados para disferir mais força em uma área pequena no corpo do oponente (pensem em ser atingidos por um martelo em vez de uma frigideira). Vejo com frequência pessoas praticarem esses punhos em suas formas, mas não conseguiriam nem golpear um saco de pancada com eles. Isso é ilusório.

Alguns estilistas internos dizem que não necessitam de desenvolver uma mão forte, mas existem bastantes evidências históricas de que os seus antepassados praticavam o condicionamento das mãos: quer seja Sun Lu Tang golpeando um canhão, os praticantes de Tai chi da aldeia Chen usando sacos de areia ou os competidores Ba Gua Zhang dos torneios Guoshu em 1933 que praticavam Palma de Areia branca e vermelha. Se investigarmos, rapidamente percebemos que o condicionamento das mãos era uma parte vital do treinamento.

O condicionamento da mão não é uma preocupação exclusiva dos praticantes do Kung Fu Chinês, o mesmo se passa com os praticantes de Caratê, o Makiwara (poste de golpeio) era uma parte vital da prática. Gichin Funakoshi, de muitas maneiras o pai do Caratê japonês, declarou que o Makiwara não era necessária se apenas tivéssemos o desejo de treinar para desenvolver nossa saúde e não para defesa pessoal. Outra maneira de ler essa declaração é que se você quer lutar usando Caratê você tem que utilizar o Makiwara. Uma escola de Caratê sem prática de Makiwara é mais uma escola de dança que outra coisa qualquer.

Mesmo no ocidente, antes do aparecimento das luvas de boxe, pugilistas como Jem Mace foram documentados usando receitas herbáceas e banhos de mão em seu condicionamento manual.


A Palma de Ferro não é um estilo mas uma aptidão que é um componente essencial dos estilos de Kung Fu. Algumas pessoas se especializam nessa prática, mas isso é como um estudante de Muay Thai que se torna conhecido por seu poderoso soco direto, ou o judoca poderoso em suas rasteiras _ ele ou ela podem ter desenvolvido essa ferramenta a um nível elevado mas ainda assim precisa dos outros componentes de seu estilo como apoio para sua técnica. Ter uma mão forte e um bom golpe é inútil a não ser que você tenha as táticas e os métodos para o aplicar.

Se você deseja treinar a Palma de Ferro deve procurar instrução competente. Aqui fica uma breve lista, de coisas a não fazer, para ter em mente durante o treinamento.

. Não golpeie coisas que não cedem – Isso irá danificar suas articulações. Todo o material que se golpeia deve ceder um pouquinho.

. Não treine esporadicamente – Se assegure que sua prática é regular e consistente.

. Não tenha muita pressa – Se você se machucar vai levar muito tempo para se recuperar e você não poderá treinar com a mão machucada. Se desenvolver fluido nas articulações elas se irão tornar mais fracas e não mais fortes.

. Não golpeie com o braço tenso – O braço deve estar relaxado e ser um condutor de força. Se você golpear um objeto duro com o braço tenso, a força irá retornar ao corpo o que pode causar com o tempo um derrame cerebral.

. Não treine sem medicina herbácea e qigong apropriado – Essas coisas são importantes para ajudar na recuperação e em seu processo de desenvolvimento.

. Não tenha um estilo de vida irregular – Como em qualquer processo de desenvolvimento do corpo, se assegure que dorme o bastante, nutrição correta etc, para que o corpo tenha os recursos de que necessita.
Não altere de método enquanto treina. Se está aprendendo com um professor qualificado tenha confiança em seu método, se ficar inseguro em relação a algum aspeto, pergunte. Não presuma ser capaz de alterar as coisas como bem entender, não percebendo ainda bem sua importância.

Para os alunos em lugares distantes interessados no treino da Palma de Ferro verifiquem o dvd e os recursos online em https://www.ironpalmproductions.com/

Fiquem atentos ao próximo artigo dessa série onde discutiremos variados métodos de treinamento da mão.

Até lá fiquem bem e treinem bastante!


Chris



Artigo traduzido e publicado com a autorização do autor.

segunda-feira, 13 de junho de 2016


Lutando em cima de um telhado



Artigo publicado originalmente na Deep Water Magazine e traduzido e publicado com a autorização do autor: Shifu Neil Ripski http://redjademartialarts.com/



Quando conheci George Xu (Xu Guoming), eu tinha viajado propositadamente para S. Francisco para me encontrar com ele em sua casa, baseado apenas em minha pesquisa e rumores que tinha ouvido a seu respeito. A sua reputação como mestre de alto nível em artes marciais chinesas é de que, quem está por dentro, o conhece. Ele não é uma personalidade famosa ou um deus do cinema ou qualquer gênero de lutador premiado. A sua fama não provém de aspirar ao estatuto de famoso, mas em vez disso é falada em voz baixa por pessoas que o conheceram, tocaram e treinaram sob a sua orientação. Ele é conhecido como um mestre “de verdade” ou de “alto nível” nesses meios, e esses termos parecem implicar uma certa forma de pensar a seu respeito por outros, mas na verdade não dão uma indicação de quais são suas capacidades ou de quem ele é.

Shifu George Xu
Decidi que durante minhas férias antecipadas disporia de meu tempo para uma viagem de avião de onde eu estava, visitando minha família em Portland, até São Francisco e tiraria o dia passando horas conhecendo e treinando privadamente sob sua orientação, antes de regressar e continuar com minhas férias. Os meus principais motivos eram essa reputação, com a qual me tinha cruzado, e ter assistido a filmagens suas e de pessoas por ele ensinadas executando suas artes marciais. Outra dessas principais razões era que ele (tinha escutado) tinha lutado nas batalhas de rua, durante a revolução cultural, tanto de mãos nuas como com armas antigas (facas, espadas, machados) e tinha realmente morto homens com suas artes marciais. Se isso era verdade, essa poderia ser a minha única oportunidade de treinar com alguém para quem técnicas não são mera especulação, alguém que sabia o que era utilizar suas artes marciais na mais grave e extrema das circunstâncias, sem ringue, sem árbitros. Se isso era verdade eu tinha que verificar o que essa experiência lhe tinha transmitido, uma vez que (esperemos) eu nunca a terei.

Após uma corrida de táxi do aeroporto até sua casa, uma habitação de dois andares com terraço junto ao mar, me encontrei com ele enquanto caminhava em direção a casa com dois sacos de mantimentos. É claro que o meu instinto foi oferecer ajuda ao pequeno idoso de mais de 70 anos na tarefa de carregar os mantimentos para casa, coisa que ele recusou. Subimos os degraus da escadaria e rapidamente me disse para me mudar para minha roupa de treino e fazer o aquecimento para que pudéssemos praticar. Alguns momentos depois quando regressou ao exterior, no telhado da garagem onde iríamos praticar, começou por me dizer que eu era talentoso e que precisava de praticar menos formas e trabalhar mais os princípios e os conceitos. Em seguida, um de seus primeiros truques de mestre se mostrou.

Caso vocês não saibam, os mestres mais velhos tendem a testar as pessoas logo que as conhecem para que possam avaliar suas capacidades. Algumas dessas perguntas difíceis ou testes têm sido passados de geração em geração, de maneira a que à medida em que envelhecemos e nos tornamos um ancião possamos julgar as aptidões das pessoas rapidamente, ou passar nos testes de nossos mestres mais velhos. Algumas delas incluem dizer que seu cardaço está desapertado para verificar a maneira como você o aperta de novo (mesmo que esteja apertado você nunca se abaixa dobrando o joelho para verificar. Você sempre levanta seu pé e mantém o equilíbrio enquanto o faz). Ou talvez o mestre lhe pergunte as armas que aprendeu a manejar, ou que armas duplas, pois essas tendem a ser algo reservado apenas a alunos de nível elevado. Existem múltiplos testes como esses, alguns testando a conetividade e integração de sua mente e corpo e alguns somente para dar uma olhada em sua mente e verificar o quanto você é inteligente.

Ele me perguntou se eu queria aprender uma forma nova com ele como lição. Claro que não! Não apenas por não ter sido esse o motivo da minha viagem do Canadá até Portland e depois São Francisco mas também porque ele tinha acabado de me dizer para não me dedicar mais a formas. Respondi a sua pergunta com o mesmo pedido que lhe tinha feito pelo telefone ao combinarmos a lição. Eu queria lutar com ele.
Sim eu queria lutar com o cidadão idoso. Eu queria cruzar as mãos com um Mestre ancião reconhecido mundialmente como um tesouro cultural vivo da china. Um Artista Marcial que tinha morto pessoas com as suas mãos e armas. Queria sentir o toque dessa experiência e verificar como realmente era. Queria verificar se a lenda do velho mestre realmente era verdadeira. Tinha treinado por quase 30 anos e estava me sentindo estagnado já por 2 anos, precisava enxergar o que ainda havia para aprender. Precisava enxergar o significado de “alto nível” nas artes marciais chinesas e a única maneira de adquirir essa experiência é a maneira tradicional. Você desafia o Mestre para cruzar mãos. Dessa forma você é tocado por sua perícia e pode verificar qual é a realidade.

O autor: Shifu Neil Ripski


Bem, ele disse muito calmamente “ok” e me perguntou se eu estava pronto, levantando as mãos. Eu tinha chegado àquele lugar com 38 anos de idade, pesando 110,5 quilos e treinando Artes Marciais Chinesas há 28 anos. Isso me fazia maior, mais forte, experiente e mais novo que ele pelo menos 30 anos. Levantei minhas mãos assim como ele, e pela primeira vez em minha vida fui jogado no chão num instante. A minha cabeça bateu no concreto e lascas de meus dentes voaram da minha boca. Num instante ele tinha me desfeito completamente. Não fazem ideia de como fiquei feliz. Encontrar um professor que está ordens de magnitude à sua frente, após tantos anos de treinamento é uma grande dádiva. Nesse dia lutamos mais duas vezes enquanto eu lhe pedia para me deixar sentir diferentes estilos de suas artes marciais. Passámos horas no telhado de sua garagem treinando, falando e rindo enquanto ele explicava quais eram os problemas que via em minhas técnicas. Ele me transmitiu o conhecimento que tinha utilizado para me derrotar quando nos tocámos pela primeira vez e me mostrou todos os métodos de treino para atingir essas aptidões. Os níveis do predador, os diferentes níveis de Dantien e o seu Poder Tsunami. Ele me deixou tocar em seu corpo enquanto praticava e demonstrou e partilhou tudo abertamente comigo. Coisas que são muito raras de encontrar numa geração de Mestres mais velha, abertura em vez de sigilo. Aptidões reais em vez de fantasia. A boa vontade de deixar o estudante tocar e sentir as próprias técnicas em vez de apenas falar sobre elas deixando-as no reino da teoria.



Pensei em discutir os níveis do predador aqui, assim como as coisas que ele me ensinou mas sabendo que outros escritores nesta edição (Deep Water Magazine) provavelmente irão abordar seus ensinamentos irei me refrear. Deixei São Francisco com conhecimento suficiente para “mastigar” durante anos. Também ganhei um novo amigo, professor e mentor. As palavras que me dirigiu foram muito lisonjeiras e me pareceu muito seguro de que eu atingirei um nível elevado com meus esforços. Teve até abertura suficiente para no final dessa primeira sessão eu ter a oportunidade de lhe fazer a desconfortável pergunta sobre a revolução cultural, sim, ele tinha morto pessoas e prosseguiu me mostrando como. Não se ouve falar de um conhecimento como esse nesses dias de lutas esportivas e “mestres” de kung fu de fantasia. É uma experiência completamente diferente ter alguém nos dizendo como utilizou a sua arte nesse tipo de situação, e depois sentir a experiência em seus ossos. Foi o início de uma grande amizade e experiência de aprendizado. Foi uma honra tê-lo feito vir a Creston BC para a nossa Deep Water Martial Arts Convention e ensinar durante um final de semana. Fiquei bastante contente por tê-lo convencido a vir e partilhar seus conhecimentos com meus amigos e alunos. Ele é um exemplo estelar do que um Mestre deve ser: Honesto, Direto, Confiável e Autêntico. Anseio viajar de novo para São Francisco e verificar o que acontecerá no nosso próximo cruzamento de mãos…

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A Mestria do Dan Tian

Nosso autor convidado de hoje é o Shifu Jonathan Bluestein, professor das artes marciais tradicionais chinesas Xing Yi Quan e Pigua Zhang em Israel onde reside. É autor do afamado best-seller “Research of Martial Arts”, obra ainda não traduzida para português.

O Dan Tian é um tema apaixonante e que quase sempre gera um desejo grande de um maior esclarecimento. Como resposta a esse desejo da parte dos leitores do blog “Conselho de Mestre”, publico hoje este artigo fascinante e esclarecedor, escrito pelo Shifu Bluestein. O referido artigo foi traduzido e é publicado com a autorização do autor a quem agradeço a sua generosidade.

                                


O Dan Tian Gong nas Artes Marciais Internas

Esclarecimento: Neste artigo será debatida a zona do Dan Tian (丹田)inferior, também conhecida vulgarmente como “Tan Den” (丹田) ou Hara (barriga) em japonês.




                          

Existe um problema na discussão corrente sobre o Dan Tian na literatura das artes marciais. A maior parte dela é no mínimo ambígua. As pessoas caem na armadilha de usarem metáforas que tomam emprestadas da medicina tradicional chinesa, que não conduzem a um entendimento real da teoria das artes marciais. Outras vezes, as explicações são intencionalmente confusas de maneira a fazerem sentido apenas para “aqueles que estão por dentro”.

Este artigo não o vai ensinar a desenvolver a região do Dan Tian. Não é instrutivo. Isto não será também uma lição de anatomia. No entanto, tentarei elucidar em relação a muitas coisas que dizem respeito à função e treinamento do Dan Tian nas Artes Marciais Internas de uma maneira mais condutiva e coerente da que geralmente é encontrada em outros lugares.
      
                                     

Como devem saber, a zona do Dan Tian fica localizada no centro da barriga à altura de aproximadamente três dedos unidos horizontalmente por debaixo do umbigo. Acrescento que na prática efetiva, a zona usada como “Dan Tian” engloba a maior parte do conteúdo interno do abdômen entre o centro da zona genital e o umbigo.
É impossível não utilizar a zona do Dan Tian. A musculatura dessa região está envolvida na maior parte dos movimentos complexos que fazemos no dia a dia. Sendo assim, a zona do Dan Tian está ativa em todas as artes marciais. Aquilo que destaca as Artes Internas é terem métodos para o desenvolvimento de um controle refinado sobre essa zona, ou esse controle ser gradualmente adquirido através de seus métodos específicos.
O uso do Dan Tian não é o segredo “total-final-derradeiro” das artes de luta. É simplesmente um método adicional entre muitos outros. Os métodos Dan Tian são mais usuais do que a maioria suspeita nas variadas artes marciais, mas isso não é aparente, uma vez que por escrito, raramente são debatidos minuciosamente como neste artigo (que apesar do seu tamanho é apenas uma introdução ao assunto em discussão).

Dois dos objetivos principais nas artes marciais para o desenvolvimento do Dan Tian

1.      Um volante – Esta zona pode ser utilizada ajudando a conduzir os movimentos do resto do corpo. Mais tarde, será possível você se conectar ao centro de gravidade de outra pessoa e usar o seu próprio Dan Tian também para conduzir um oponente.
2.      Um motor – O movimento na zona do Dan Tian pode iniciar a movimentação de todo o corpo e também contribuir para que sejam geradas poderosos ondas de impulso (momentum) tanto por Rotação como por Vibração (voltaremos ao assunto).

Estes dois objetivos não são contraditórios. É suposto que o Dan Tian funcione suavemente tanto como um volante, assim como um motor. Existem outros bons motivos, não marciais, para o desenvolvimento de um controle refinado dessa zona, mas não os discutirei no âmbito deste artigo.

Os fundamentos
O Dan Tian Gong inicia-se com a respiração adequada, e isso vem antes do seu uso como volante ou motor. Sem que se aprenda a respirar profundamente e corretamente para a zona do Dan Tian, não é possível o seu “desenvolvimento”. Baixar a respiração para esta área é simples e pode ser ensinado em menos de um minuto à maioria das pessoas. No entanto, manter esse tipo de respiração por longos períodos de tempo, pode se revelar incrivelmente difícil de nos acostumarmos, especialmente em movimento. É por isso que nas Artes Internas temos exercícios semi-meditativos como o Zhan Zhuang (Postura de Estaca), Caminhada em Círculo e Enrolamento de Seda, que permitem ao corpo acostumar-se a uma respiração correta e a manter uma estrutura marcial sólida e bem conectada.
Somente depois de a respiração Dan Tian ter sido assimilada pelo praticante, poderá ele ou ela começar a sentir essa zona melhor. A própria tentativa de respirar melhor cria mais terminais nervosos nessa região e aumenta nossa sensibilidade em relação a ela. Isso leva tempo, entre meses e anos. O estágio mais avançado da respiração incluirá:

- Respiração Invertida: Aprender a expandir o Dan Tian enquanto expiramos e esvaziá-lo enquanto inspiramos (o inverso de nosso padrão de respiração natural) e o seu seguimento natural:

- Empurrar o Dan Tian: Empurrar ar para dentro do Tan Dian enquanto emitimos Fa Jin (poder explosivo), para adicionar força aos golpes. Nisso está também incluído o benefício da proteção do abdómen no local em que seja atingido durante nosso ataque, e com o “timing” correto (algo que não pode ser planejado com antecedência), pode fazer com que o oponente atacando nossa barriga seja empurrado para trás ou mesmo quebre sua mão. Este mecanismo não está necessariamente envolvido em todos os nossos movimentos ou ataques.
Infelizmente, após este estágio a maioria dos praticantes não segue em frente, tanto por não terem tido a paciência suficiente, como por não terem tido a sorte de encontrar um professor com um maior conhecimento.

Para além da respiração

Após ter decorrido o tempo suficiente, o corpo do praticante estará alinhado de uma forma superior. Como o “momentum” atravessa de uma maneira mais eficaz uma estrutura desse género, o Dan Tian pode agora exercer o seu controle e adicionar sua contribuição específica.

Rotação do Dan Tian

Esse é o método Dan Tian mais comum. Envolve a movimentação da zona do Dan Tian de forma muito semelhante, e em aparência é semelhante (apesar de não idêntica) à respiração Nauli do Yoga. Agora o Dan Tian, que é sentido como uma grande bola, é movido de forma circular. Pode rodar para a esquerda e para a direita, para cima e para baixo e na diagonal. Os círculos são usados como iniciadores de movimentos de corpo inteiro e para acrescentar ímpeto (momentum) a esses movimentos, consequentemente funcionando como “motor”. Ao mesmo tempo, os círculos executados com o Dan Tian são coordenados com os movimentos circulares do resto do corpo, sendo assim também um “volante”, como o volante de um automóvel manobrando à distância as rodas.
Uma pessoa tocando a barriga de um praticante experto sentirá o seu Dan Tian como uma bola rodando. À medida que nossa perícia aumenta, o ponto central da rotação se vai tornando mais e mais pequeno. No início, quando isso é apenas aprendido, todo o abdómen é sentido de uma forma desajeitada. Anos de prática podem levar a um nível de controle que pode encolher o tamanho do ponto central sendo manipulado até ao de uma medalha, e eventualmente até à dimensão da ponta de um dedo. Isso ocorre com o tempo, o praticante requer menor movimentação partindo dessa zona para gerar a mesma quantidade de controle e momentum.
Os métodos mais vulgares para o desenvolvimento da rotação do Dan Tian envolvem a movimentação das mãos de forma circular juntamente com o corpo, respiração correta, e lentamente permitir que o Dan Tian assuma o controle.  Isso é muito visível em exercícios como por exemplo o “enrolamento da seda” do Chen Tai chi Quan e o “macaco agachado” do Dai Xin Yi. O Dan Tian reage naturalmente melhor ao movimento circular que ao linear. Atrevo-me a dizer que métodos como o Tsuki do Karatê e o Uppercut do Boxe não são ferramentas que conduzam ao desenvolvimento do Dan Tian (o que está muito bem, pois têm outros usos). Outro requerimento para que esse processo ocorra é o movimento lento, que é outra característica eminente enfatizada nas Artes Internas. O controle sobre o Dan Tian é um subproduto do Yi (intenção  mental direcionada), e o Yi não pode ser centrado em nenhuma zona quando a movimentação é muito rápida.


Vibração do Dan Tian 

Em variadas linhagens do Xing Yi Quan e do Baji Quan, os métodos de treinamento da vibração do Dan Tian são conhecidos como Tuo Tuo Gong. No Wu Zu Quan, métodos similares fazem parte do “Estremecimento do corpo e vibração dos ombros) do (Yáo shēn dǒu jiǎ 摇身抖甲). Esse último tem muitos exemplos em vídeo disponíveis online.
Esse método é bastante menos comum que o precedente. Em essência, vibrar a zona do Dan Tian é realizar círculos muito rápidos e apertados. Para fazer isso, o pré-requisito é uma habilidade prévia em rodar o Dan Tian a um nível aceitável. Usando as vibrações do Dan Tian, as partes externas do abdómen não se movem de maneira pronunciada como na utilização do primeiro método. Em vez disso, a parte interior da zona do Dan Tian é girada.
No início, a rotação da parte interna do Dan Tian é iniciada pelas pernas. Então, o praticante aprende a pegar essa rotação inicial, e os pequenos músculos dentro do abdómen, assim como outros músculos que envolvem a coluna, para manter a rotação vibrando e acelerá-la. Na medida em que o interior acelera, todo o corpo estremece e absorve as vibrações. Assim que o corpo assume as vibrações, pode juntá-las à onda de ímpeto (momentum) lançada em um golpe, projeção ou chave, e usar isso para aumentar a eficácia do resultado final. Outros benefícios são que o oponente é menos capaz de absorver a rotação, muito menos uma vibração rápida, e que a natureza reciclável dessas vibrações pode reabsorver um golpe falhado ou um contra-ataque e torná-los menos penosos para o nosso corpo. Com antes, isso é tanto um motor quanto um volante.
Fica fácil diferenciarmos os dois métodos se pensarmos em uma bola cheia de água. O primeiro método tem mais que ver com a rotação e a movimentação da própria bola, que tende a ser relativamente mais lenta. O segundo método tem que ver com a rotação rápida (vibração) da água dentro da bola. Outra metáfora muito válida seria a de uma powerball (esfera giroscópica fisioterapia), e aqueles que já usaram um aparelho assim podem fazer uma analogia entre o seu funcionamento e as descrições que eu fiz.  

                   

Outra diferença que preciso ainda de falar é que para vibrar o Dan Tian é necessária não só uma capacidade funcional para rodar essa zona, como também uma estrutura bem conectada. Vibrar o interior do Dan Tian pode ser ensinado a iniciantes. No entanto, enquanto seus corpos não se comportarem como uma unidade, o ímpeto não será transmitido do Dan Tian para o membro atacante (motor ineficiente). Diferentemente do primeiro método, o segundo método não pode ser treinado a uma velocidade lenta e é mais fácil de ser treinado em uma postura estacionária (como a prática do Zhan Zhuang) em vez de em movimento.
Um método adicional para o treinamento tanto das rotações do Dan tian como das vibrações do Dan Tian é através do uso tanto de longas varas de madeira ou de lanças. Desenhar círculos no ar com essas armas é muito útil para essas práticas, pois o efeito de alavanca que geram aciona nossa musculatura interna e naturalmente desperta a ação do Dan Tian. Alguns movimentos específicos da lança como o Lan-Na-Zha são mais eficazes que outros no desenvolvimento dessas capacidades. Uma vez que o praticante consiga usar o Dan Tian Gong, este também pode ser aplicado com outras armas.
Quando treinado adequadamente, o Dan Tian Gong pode ser incorporado na maior parte de nossos movimentos (em pé, ajoelhados ou mesmo sentados). No que diz respeito a seu uso marcial, o nível mais elevado dessa capacidade é a combinação eficaz de ambos os métodos Dan Tian. Isso é, ter o Dan Tian rodando fortemente a ao mesmo tempo vibrando em seu interior e fazer com que esses micro-movimentos conduzam e se conectem com o resto do corpo.

Para quem possa estar interessado fica o link do site do Shifu Jonathan Bluestein relativo ao seu livro "Research of Martial Arts" http://www.researchofmartialarts.com






quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Início

É com alegria que dou início a um novo blog com um artigo escrito pelo Shifu Neil Ripski. O artigo foi traduzido e é postado com sua autorização. O Shifu Ripski é um discípulo formal do estilo da família Ma de Ba yin quan (Punho de Oito Sombras) também conhecido como Ma Jia Quan (Punho da Família Ma) e se especializou e tornou reconhecido pelo seu Ba ying Jiu/zui quan 醉拳 (Boxe Bêbado) que nos dias que correm ensina internacionalmente. Todo esse treinamento foi feito sob a direção de seu falecido professor Ma Qing Long 馬青龍 .







Disforme, Desestruturado & Bêbado.



O estilo bêbado de kung fu é um treinamento sistemático de alto nível, concebido para libertar o artista marcial de velhos hábitos e expandir seu vocabulário no sentido de uma forma de expressão verdadeiramente espontânea. A habilidade de nos expressarmos livremente em combate é, está claro, um alto ideal observado em quase todas as artes marciais, o cálculo frio dá lugar a um método de movimento mais fluido e apropriado ao atingir um nível elevado de treinamento. Mas, o problema com as artes marciais é que as pessoas tendem a ficar presas na ideia da “sua” arte ou estilo. Têm a necessidade de sentir a expressão da arte que deve se assemelhar fielmente à maneira como se treinam. Mas, se dermos uma olhada interior cuidada em nossas artes veremos que o treinamento a que nos sujeitamos não é o mesmo que os ideais que nos foram apresentados por nossos professores.

Por exemplo quantas vezes ouvimos um professor censurar os alunos por não estarem relaxados suficientemente? Fang Song ou o estado de tônus relaxado, por vezes comparado a um arco esticado, não é aquilo que geralmente vemos nos iniciantes estudando nossas artes. Tensão, rigidez e uma técnica sem mácula são a norma. Assim, para observarmos este aparente paradoxo, temos que dar uma olhada aos ideais em nossas artes versus os métodos com os quais adquirimos a perícia para atingir esses ideais. Se nossa ideia é atingir uma expressão de movimento livre e espontânea em nossas artes, temos que atingir um nível muito elevado antes que isso seja alguma vez possível, fisicamente, mentalmente e filosoficamente. Para começar, vamos dar uma olhada na causa da pedra de tropeço de muitos alunos que é a pureza da técnica.

As técnicas são avaliadas pela sua pureza tanto nas escolas para graduação na passagem de faixa mas também em cenários de competição. Um início e finalização sólidos da técnica são o objeto da atenção dos juízes assim como a forma da técnica finalizada. Apenas com esses critérios podemos ver que ao aluno é pedido o refinamento do seu movimento através de muitas repetições e correções para que adira a um certo padrão. É aqui que podemos observar os muitos anos de trabalho esforçado por que o estudante passou no aperfeiçoamento da aparência exterior de uma técnica. Por exemplo, no simples soco direto conhecido como soco de arremetida no Karatê ou o Tigre Negro Rouba o Coração no Kung Fu chinês, pomos nossa atenção em uma série de coisas que devem estar em seu lugar. O braço deve estar estendido partindo do ombro ou do coração, o pulso deve estar direito, para que os ossos compridos do antebraço (rádio e cúbito) estejam alinhados com os nós dos dedos da mão, o cotovelo ligeiramente dobrado, o ombro assente em sua cavidade e a omoplata posicionada na direção da cintura e sem ficar saliente. Uma lista de requisitos muito alcançável e muitos, muitos estudantes aprendem essa técnica cedo em seu treinamento e ficam familiarizados com ela. Mas o problema que se levanta aqui é, antes de mais, que a estrutura da técnica se torna mais importante para o estudante que os motivos para essa estrutura. O desempenho da técnica em competição e em testes de graduação se tornam o motivo para a criação de um certo efeito visual, em detrimento da demonstração de um verdadeiro entendimento da técnica. Esse é o primeiro problema.

O segundo problema é que o aluno é recompensado pela repetição da estrutura da postura com prémios em competições ou graduações em sua escola, levando para casa que a aparência exterior é o mais importante de tudo. Se isso é levado muito seriamente em seu íntimo, o estudante acaba colocando um limite em sua progressão na arte devido à importância colocada nas aparências externas de seu movimento. É aqui que presenciamos onde a maioria dos artistas marciais se colocam nas artes tradicionais, museus animados das artes marciais e não exemplos vivos das mesmas. Temos de uma maneira compreensiva reparar que as metas não estão sendo atingidas somente através desse tipo de treinamento. Mas então qual é o resultado que estamos buscando em nossos alunos e em nosso próprio treinamento?

Se o resultado a um nível elevado de treinamento nas artes marciais é a ação livre, totalmente espontânea e maleável ao momento, então porque estamos treinando nossos alunos a serem mestres técnicos do movimento? Porque quer a ação seja totalmente livre ou mecanicamente ensaiada os padrões aplicados à sua fisicalidade devem permanecer os mesmos. Os ossos compridos no braço devem se alinhar com as armas para criar uma transferência de força e apoio. O ombro deve estar assente em sua cavidade de forma a transferir poder e reduzir as chances de deslocamento, quer por uma força de chicoteamento extrema no soco ou pelo bloqueio e puxão executados por um oponente. Cada requisito tem sua razão e ideais bem investigados e pensados para sua adesão, mas isso não significa que a forma final da técnica deva ser limpa e perfeita! Significa que durante a expressão livre e espontânea da arte, quando é apropriado, a  técnica surge e cumpre seus requisitos pouco importando sua aparência. Assim, em sua essência, a técnica de um iniciante aparenta ser muito mais perfeita que a de um mestre. No entanto, os movimentos de um mestre têm qualquer coisa que fica difícil de articular por palavras. Observar um velho Mestre executando o soco Tigre Negro Rouba o Coração parece ter um toque de desleixo que o acompanha. Nas mentes da maioria das pessoas que assistem à demonstração da técnica a um nível tão elevado, se lhes for perguntado candidamente, reponderão com comentários sobre a idade do Mestre e de como as coisas se modificam nos dias de nossa velhice. Como o corpo começa a se deteriorar e assim por diante. Em muitos casos essa é exatamente a resposta para que a técnica do Mestre pareça desleixada e pouco cuidada. No entanto, não é sempre o caso.

O verdadeiro movimento de alto nível perde sua forma refinada mantendo todos os princípios importantes de base na técnica. Esse é o Mestre que aparenta ter suas artes marciais muito descuidadas na visão do jovem iniciante, mas que se sente mais poderoso, rápido e aguçado que qualquer jovem praticante. Parece mágica mas isso é somente porque o mestre compreendeu todos os princípios em funcionamento na técnica a um nível profundo, e concluiu que “Como” cada um se treina nas artes marciais e “O Que” está verdadeiramente treinando são duas coisas diferentes. Essa é uma das coisas mais elusivas e difíceis para um estudante das artes marciais entender, mas não fazer um esforço para o entendimento dessa ideia é incorreto e limita o possível alcance no treinamento ao  longo de sua vida. A maior parte, se não todas as técnicas de artes marciais, quando as treinamos como um iniciante, não são de todo aquilo que aparentam ser para nós.