Minha primeira experiência com a Palma de Ferro (Mão de Ferro) foi na
Chinatown de Manchester há uns vinte anos atrás. Eu estava estudando lá em uma
das escolas. Com alguma frequência, um certo número de caras do kung fu mais
velhos apareciam para visitar o professor, que também já não era um jovem. Um
deles era um cavalheiro idoso, muito pequeno. Foi-me dito pelo meu irmão kung
fu sénior que ele tinha partido com frequência canelas a lutadores com sua palma
de ferro. Eu tinha praticado Caratê e um pouco de Boxe Tailandês antes, e esse
cara não parecia um lutador. Pensei ter escondido bem meu cepticismo, mas eu
era um adolescente e provavelmente não o fiz.
Isso resultou em me terem pedido para
disferir um chute circular à figura de avô em questão. Após algumas recusas
delicadas e alguns incrementados pedidos diretos eu o fiz. Honestamente, não
foi o chute mais forte que alguma vez disferi. Eu me segurei um pouco, mas
também não foi um chute fraco. O cavalheiro idoso (nunca peguei seu nome) com
um sorriso relaxado deu gentilmente um tapa para baixo, em minha canela, e eu
me senti como se tivesse dado um chute na aresta de uma parede de tijolo.
Quando trouxe a perna para baixo ela por
pouco não colapsou e eu fiquei com um profundo hematoma negro durante algumas
semanas. Não voltei a ver aquele senhor, mas não tenho dúvidas que se ele estivesse
com uma disposição malévola teria feito muito pior. Essa foi a minha primeira
introdução à Palma de Ferro ou Mão de Ferro.
Desde então, treinei com um professor
que conseguia indiferentemente perfurar tijolos com um dedo enquanto vigiava a
classe (Sifu Mcneil) e outro que conseguia deixar marcas em metal com seus
socos (Sifu Starr).
Tradicionalmente, a maioria dos estilos
de Kung fu contêm alguma forma de prática da Palma de Ferro. A expressão Palma
de Ferro não se refere de fato a algum método de fortalecimento da mão mas ao
resultado de um treinamento correto. Tradicionalmente cada seita (Pai) teria
seu método. Por vezes as expressões Palma de Ferro e Dedo de Ferro são
referidas conforme as práticas enfatizem esse aspecto.
Também é denominada Palma de Areia
vermelha ou outra expressão semelhante devido ao método de treinamento. É
difícil fazer declarações abrangentes em relação à Palma de Ferro e sua
eficácia pois diferentes métodos de treinamento trazem resultados diferentes.
Conheci incontáveis indivíduos que me disseram que tinham danificado suas mãos
praticando Palma de Ferro e no entanto, quando os questionei sobre isso, me
disseram que apenas golpeavam um objeto sólido muitas vezes. Não são a turma
mais inteligente. Isso não é certamente a Palma de Ferro. Isso é o equivalente
a alguém dizer que fez acupunctura e que isso o tornou cego para depois se
descobrir que a acupunctura foi administrada pelo próprio que espetou uma
agulha em seu próprio olho.
As práticas da Palma de Ferro têm como objetivo aumentar a densidade dos ossos. Isso não faz apenas as mãos ficarem
menos vulneráveis a se danificarem como também mais pesadas e mais capazes de
causar dano (pensem em serem atingidos por um objeto de metal em vez de um
objeto semelhante de madeira). Ao mesmo tempo esses métodos desenvolvem os
tecidos e os músculos da mão tornando-os mais fortes e protegendo os tendões e
as veias.
O que você pode ganhar treinando a Palma
de Ferro?
Contudo, a Palma de Ferro não é apenas o
fortalecimento das mãos. Quando praticada corretamente nos ensina a golpear com
o corpo inteiro (não apenas o braço). O corpo torna-se igual a um chicote
maciço gerando uma onda de força. Os músculos da mão são treinados para
instintivamente se flexionarem abrindo ou fechando (de acordo com a postura da
mão) para maximizar a força quando golpeando. Esses métodos devem também
aumentar a circulação sanguínea (e, da perspectiva da medicina tradicional
chinesa, o fluxo de qi) para a mão. Isso é uma grande ajuda para os praticantes
de qigong que, geralmente consideram que a prática aumenta as sensações
subjetivas de energia na mão. Também é útil para aqueles que usam as mãos para
curar e massagear.
De fato, um dos aspectos interessantes
do treinamento da Palma de Ferro é que, quando feito corretamante não
“mortifica” os nervos da mão mas parece que em vez disso lhe dá mais
sensibilidade (talvez devido ao aumento da circulação sanguínea). É uma
concepção comum e errada, que o objetivo é essencialmente danificar os nervos
da mão para poder “suportar” mais dor. Isso é completamente falso: perder toda
a sensibilidade nas mãos seria uma grande desvantagem numa luta, assim como na
vida.
Quase toda a Palma de Ferro, lado a lado
com o golpear do equipamento, contém elementos da medicina herbácea (dit da jow
– vinho de bater, golpear), mecânica corporal precisa, qigong, exercícios
respiratórios próprios e dicas de estilo de vida.
Os métodos autênticos da Palma de Ferro
foram desenvolvidos ao longo de muitos anos envolvendo muito tempo, tentativa e
erro, sensitividade corporal e contemplação. Em comum com as metas de todo o
Kung Fu de qualidade a Palma de Ferro tem por meta a construção do corpo e não
a sua destruição. Trata-se de um processo gradual. Pessoas acostumadas a se
exercitarem diariamente e a se esforçarem até ao limite tendem a trazer essa
atitude para o treinamento da Palma de Ferro. Deve ser lembrado que treinar os
músculos até ao limite significa ficar um pouco dorido no dia seguinte e que
depois eles vão ficar mais fortes, levar os ossos ao limite é fazer deles pó!
Desenvolver as mãos sem as machucar ou criar calos é um processo lento. Na
maioria dos sistemas para se atingirem as metas iniciais se supõe uma prática
diária por 100 dias, após isso as mãos devem estar significativamente mais
fortes mas o desenvolvimento da Palma de Ferro deve na realidade fazer parte do
treinamento regular e não existe um ponto de paragem. Tal como um espadachim
mantém sua espada afiada a “força” da mão dever ser mantida.
Nos dias de hoje a Palma de Ferro é com
frequência tida como um aspecto avançado das práticas marciais chinesas,
guardada para os estudantes seniores, mas na verdade era mais uma aptidão básica.
É usualmente aprendida no primeiro ano de treinamento de adultos em minha
escola. Uma das razões de tão poucos “tradicionalistas” poderem utilizar as
técnicas de suas formas é porque muitas posições da mão requerem
condicionamento para serem utilizadas, e esta habilidade não pode ser adquirida
com a prática das formas. Mesmo uma das mais seguras posições de mão, o punho
básico, é muito vulnerável ao dano quando atinge outra pessoa com força. Na
verdade, muitos dos mais devastadores golpes do boxe foram desenvolvidos depois
de já existirem luvas, pois teria sido muito provável os pugilistas se
machucarem em lutas com os punhos desprotegidos. Essa evolução prosseguiu para
o MMA, quando as luvas foram introduzidas os competidores se tornaram capazes
de disferir golpes com mais força do que antes. Numa luta ou competição uma mão
quebrada é uma grande desvantagem.
Assim, quando estamos aprendendo uma
forma que utiliza poderosos golpes de mão, alguns estão na verdade indo para
uma luta de faca armados com um palito. Isso é bom contra oponentes imaginários
no ar, mas menos bom quando realmente precisamos nos defender. Se até o punho
básico é suscetível de ser machucado, como é que os praticantes das Artes
Marciais Chinesas e do Caratê esperam poder utilizar posturas de mão exóticas _
por exemplo aquelas com a pressão concentrada em uma pequena área da mão (Punho de Fénix, golpes
com os dedos, golpe Cabeça de Dragão)? Esses foram criados para disferir mais
força em uma área pequena no corpo do oponente (pensem em ser atingidos por um
martelo em vez de uma frigideira). Vejo com frequência pessoas praticarem esses
punhos em suas formas, mas não conseguiriam nem golpear um saco de pancada com
eles. Isso é ilusório.
Alguns estilistas internos dizem que não
necessitam de desenvolver uma mão forte, mas existem bastantes evidências
históricas de que os seus antepassados praticavam o condicionamento das mãos: quer
seja Sun Lu Tang golpeando um canhão,
os praticantes de Tai chi da aldeia Chen usando sacos de areia ou os
competidores Ba Gua Zhang dos torneios Guoshu em 1933 que praticavam Palma de
Areia branca e vermelha. Se investigarmos, rapidamente percebemos que o
condicionamento das mãos era uma parte vital do treinamento.
O condicionamento da mão não é uma
preocupação exclusiva dos praticantes do Kung Fu Chinês, o mesmo se passa com
os praticantes de Caratê, o Makiwara (poste de golpeio) era uma parte vital da
prática. Gichin Funakoshi, de muitas maneiras o pai do Caratê japonês, declarou
que o Makiwara não era necessária se apenas tivéssemos o desejo de treinar para
desenvolver nossa saúde e não para defesa pessoal. Outra maneira de ler essa
declaração é que se você quer lutar usando Caratê você tem que utilizar o
Makiwara. Uma escola de Caratê sem prática de Makiwara é mais uma escola de
dança que outra coisa qualquer.
Mesmo no ocidente, antes do aparecimento
das luvas de boxe, pugilistas como Jem Mace foram documentados usando receitas
herbáceas e banhos de mão em seu condicionamento manual.
A Palma de Ferro não é um estilo mas uma
aptidão que é um componente essencial dos estilos de Kung Fu. Algumas pessoas
se especializam nessa prática, mas isso é como um estudante de Muay Thai que se
torna conhecido por seu poderoso soco direto, ou o judoca poderoso em suas
rasteiras _ ele ou ela podem ter desenvolvido essa ferramenta a um nível
elevado mas ainda assim precisa dos outros componentes de seu estilo como apoio
para sua técnica. Ter uma mão forte e um bom golpe é inútil a não ser que você
tenha as táticas e os métodos para o aplicar.
Se você deseja treinar a Palma de Ferro
deve procurar instrução competente. Aqui fica uma breve lista, de coisas a não
fazer, para ter em mente durante o treinamento.
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Não golpeie coisas que não cedem – Isso irá danificar suas articulações.
Todo o material que se golpeia deve ceder um pouquinho.
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Não treine esporadicamente – Se assegure que sua prática é regular e
consistente.
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Não tenha muita pressa – Se você se machucar vai levar muito tempo para se
recuperar e você não poderá treinar com a mão machucada. Se desenvolver fluido
nas articulações elas se irão tornar mais fracas e não mais fortes.
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Não golpeie com o braço tenso – O braço deve estar relaxado e ser um
condutor de força. Se você golpear um objeto duro com o braço tenso, a força
irá retornar ao corpo o que pode causar com o tempo um derrame cerebral.
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Não treine sem medicina herbácea e qigong apropriado – Essas coisas
são importantes para ajudar na recuperação e em seu processo de desenvolvimento.
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Não tenha um estilo de vida irregular – Como em qualquer processo de
desenvolvimento do corpo, se assegure que dorme o bastante, nutrição correta
etc, para que o corpo tenha os recursos de que necessita.
Não altere de método enquanto treina. Se
está aprendendo com um professor qualificado tenha confiança em seu método, se
ficar inseguro em relação a algum aspeto, pergunte. Não presuma ser capaz de
alterar as coisas como bem entender, não percebendo ainda bem sua importância.
Para os alunos em lugares distantes
interessados no treino da Palma de Ferro verifiquem o dvd e os recursos online
em https://www.ironpalmproductions.com/
Fiquem atentos ao próximo artigo dessa
série onde discutiremos variados métodos de treinamento da mão.
Até lá fiquem bem e treinem bastante!
Chris
Artigo traduzido e publicado com a autorização do autor.
Muito técnico e muito preciso essa aula em forma de dica!
ResponderExcluirExecelente!
Fico contente que tenha gostado!Desculpe a resposta tardia, não tenho tido muito tempo para dedicar ao blog mas penso que em breve postarei mais artigos interessantes. Obrigado.
ExcluirOnde fica sua escola? Mulheres podem se matricular?
ResponderExcluirOlá butterfly!Eu sou um praticante e tradutor de artes marciais e não um professor.O Sifu Chris tem uma escola on line caso esteja interessada, é só seguir o link. Obrigado.
ResponderExcluirMuito bom texto 10 James VIeira s.p.campinas
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