É com alegria que dou início a um novo blog com um artigo escrito pelo Shifu Neil Ripski. O artigo foi traduzido e é postado com sua autorização. O Shifu Ripski é um discípulo formal do estilo da família Ma de Ba yin quan (Punho de Oito Sombras) também conhecido como Ma Jia Quan (Punho da Família Ma) e se especializou e tornou reconhecido pelo seu Ba ying Jiu/zui quan 醉拳 (Boxe Bêbado) que nos dias que correm ensina internacionalmente. Todo esse treinamento foi feito sob a direção de seu falecido professor Ma Qing Long 馬青龍 .
Disforme, Desestruturado &
Bêbado.
O estilo bêbado de kung fu é um treinamento sistemático de
alto nível, concebido para libertar o artista marcial de velhos hábitos e
expandir seu vocabulário no sentido de uma forma de expressão verdadeiramente
espontânea. A habilidade de nos expressarmos livremente em combate é, está
claro, um alto ideal observado em quase todas as artes marciais, o cálculo frio
dá lugar a um método de movimento mais fluido e apropriado ao atingir um nível
elevado de treinamento. Mas, o problema com as artes marciais é que as pessoas
tendem a ficar presas na ideia da “sua” arte ou estilo. Têm a necessidade de
sentir a expressão da arte que deve se assemelhar fielmente à maneira como se
treinam. Mas, se dermos uma olhada interior cuidada em nossas artes veremos que
o treinamento a que nos sujeitamos não é o mesmo que os ideais que nos foram
apresentados por nossos professores.
Por exemplo quantas vezes ouvimos um professor censurar os
alunos por não estarem relaxados suficientemente? Fang Song ou o estado de tônus
relaxado, por vezes comparado a um arco esticado, não é aquilo que geralmente
vemos nos iniciantes estudando nossas artes. Tensão, rigidez e uma técnica sem
mácula são a norma. Assim, para observarmos este aparente paradoxo, temos que
dar uma olhada aos ideais em nossas artes versus
os métodos com os quais adquirimos a perícia para atingir esses ideais. Se nossa
ideia é atingir uma expressão de movimento livre e espontânea em nossas artes,
temos que atingir um nível muito elevado antes que isso seja alguma vez
possível, fisicamente, mentalmente e filosoficamente. Para começar, vamos dar
uma olhada na causa da pedra de tropeço de muitos alunos que é a pureza da
técnica.
As técnicas são avaliadas pela sua pureza tanto nas escolas
para graduação na passagem de faixa mas também em cenários de competição. Um
início e finalização sólidos da técnica são o objeto da atenção dos juízes
assim como a forma da técnica finalizada. Apenas com esses critérios podemos
ver que ao aluno é pedido o refinamento do seu movimento através de muitas
repetições e correções para que adira a um certo padrão. É aqui que podemos
observar os muitos anos de trabalho esforçado por que o estudante passou no
aperfeiçoamento da aparência exterior de uma técnica. Por exemplo, no simples
soco direto conhecido como soco de arremetida no Karatê ou o Tigre Negro Rouba o
Coração no Kung Fu chinês, pomos nossa atenção em uma série de coisas que devem
estar em seu lugar. O braço deve estar estendido partindo do ombro ou do
coração, o pulso deve estar direito, para que os ossos compridos do antebraço
(rádio e cúbito) estejam alinhados com os nós dos dedos da mão, o cotovelo
ligeiramente dobrado, o ombro assente em sua cavidade e a omoplata posicionada
na direção da cintura e sem ficar saliente. Uma lista de requisitos muito
alcançável e muitos, muitos estudantes aprendem essa técnica cedo em seu
treinamento e ficam familiarizados com ela. Mas o problema que se levanta aqui
é, antes de mais, que a estrutura da técnica se torna mais importante para o
estudante que os motivos para essa estrutura. O desempenho da técnica em
competição e em testes de graduação se tornam o motivo para a criação de um
certo efeito visual, em detrimento da demonstração de um verdadeiro
entendimento da técnica. Esse é o primeiro problema.
O segundo problema é que o aluno é recompensado pela
repetição da estrutura da postura com prémios em competições ou graduações em
sua escola, levando para casa que a aparência exterior é o mais importante de
tudo. Se isso é levado muito seriamente em seu íntimo, o estudante acaba
colocando um limite em sua progressão na arte devido à importância colocada nas
aparências externas de seu movimento. É aqui que presenciamos onde a maioria
dos artistas marciais se colocam nas artes tradicionais, museus animados das
artes marciais e não exemplos vivos das mesmas. Temos de uma maneira
compreensiva reparar que as metas não estão sendo atingidas somente através
desse tipo de treinamento. Mas então qual é o resultado que estamos buscando em
nossos alunos e em nosso próprio treinamento?
Se o resultado a um nível elevado de treinamento nas artes
marciais é a ação livre, totalmente espontânea e maleável ao momento, então
porque estamos treinando nossos alunos a serem mestres técnicos do movimento?
Porque quer a ação seja totalmente livre ou mecanicamente ensaiada os padrões
aplicados à sua fisicalidade devem permanecer os mesmos. Os ossos compridos no
braço devem se alinhar com as armas para criar uma transferência de força e
apoio. O ombro deve estar assente em sua cavidade de forma a transferir poder e
reduzir as chances de deslocamento, quer por uma força de chicoteamento extrema
no soco ou pelo bloqueio e puxão executados por um oponente. Cada requisito tem
sua razão e ideais bem investigados e pensados para sua adesão, mas isso não
significa que a forma final da técnica deva ser limpa e perfeita! Significa que
durante a expressão livre e espontânea da arte, quando é apropriado, a técnica surge e cumpre seus requisitos pouco
importando sua aparência. Assim, em sua essência, a técnica de um iniciante
aparenta ser muito mais perfeita que a de um mestre. No entanto, os movimentos
de um mestre têm qualquer coisa que fica difícil de articular por palavras. Observar
um velho Mestre executando o soco Tigre Negro Rouba o Coração parece ter um
toque de desleixo que o acompanha. Nas mentes da maioria das pessoas que
assistem à demonstração da técnica a um nível tão elevado, se lhes for
perguntado candidamente, reponderão com comentários sobre a idade do Mestre e
de como as coisas se modificam nos dias de nossa velhice. Como o corpo começa a
se deteriorar e assim por diante. Em muitos casos essa é exatamente a resposta
para que a técnica do Mestre pareça desleixada e pouco cuidada. No entanto, não
é sempre o caso.
O verdadeiro movimento de alto nível perde sua forma refinada
mantendo todos os princípios importantes de base na técnica. Esse é o Mestre
que aparenta ter suas artes marciais muito descuidadas na visão do jovem
iniciante, mas que se sente mais poderoso, rápido e aguçado que qualquer jovem
praticante. Parece mágica mas isso é somente porque o mestre compreendeu todos
os princípios em funcionamento na técnica a um nível profundo, e concluiu que “Como”
cada um se treina nas artes marciais e “O Que” está verdadeiramente treinando
são duas coisas diferentes. Essa é uma das coisas mais elusivas e
difíceis para um estudante das artes marciais entender, mas não fazer um
esforço para o entendimento dessa ideia é incorreto e limita o possível alcance
no treinamento ao longo de sua vida. A
maior parte, se não todas as técnicas de artes marciais, quando as treinamos
como um iniciante, não são de todo aquilo que aparentam ser para nós.
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